terça-feira, 3 de março de 2009

O quereres de sempre querer

Sim, o quereres de sempre te querer. De sempre esperar algo que inevitavelmente jamais chegará. É um querer sofrido, mas que também é gostoso de querer, de esperar, de imaginar, de sonhar. Trágico e angustiante. Assim é o querer de estar sempre sim.
Quando dizes, penso! Quando tocas, sinto. Mas onde quero a mansidão, tenho a tortura. Onde quero amplidão, eu piso o chão.
Ah bruta flor do querer... Bruta flor, girassol, ipê.
Onde eu busco o espirito, apenas o ato. E tento abraçar o mundo inteiro e deparo-me com um cantinho dele apenas.
E assim, ao "quereres de estares sempre a fim, do que em mim é de mim tão desigual. Faz-me querer-te bem, querer-te mal. Bem a ti, mal ao quereres assim, infinitivamente pessoal. E eu querendo querer-te sem ter fim. E, querendo-te, aprender o total. Do querer que há e do que não há em mim".

"Por que existe sempre em mim"


O Quereres
(Caetano Veloso)

Onde queres revólver, sou coqueiro
E onde queres dinheiro, sou paixão
Onde queres descanso, sou desejo
E onde sou só desejo, queres não
E onde não queres nada, nada falta
E onde voas bem alta, eu sou o chão
E onde pisas o chão, minha alma salta
E ganha liberdade na amplidão

Onde queres família, sou maluco
E onde queres romântico, burguês
Onde queres Leblon, sou Pernambuco
E onde queres eunuco, garanhão
Onde queres o sim e o não, talvez
E onde vês, eu não vislumbro razão
Onde o queres o lobo, eu sou o irmão
E onde queres cowboy, eu sou chinês

Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor

Onde queres o ato, eu sou o espírito
E onde queres ternura, eu sou tesão
Onde queres o livre, decassílabo
E onde buscas o anjo, sou mulher
Onde queres prazer, sou o que dói
E onde queres tortura, mansidão
Onde queres um lar, revolução
E onde queres bandido, sou herói

Eu queria querer-te amar o amor
Construir-nos dulcíssima prisão
Encontrar a mais justa adequação
Tudo métrica e rima e nunca dor
Mas a vida é real e de viés
E vê só que cilada o amor me armou
Eu te quero (e não queres) como sou
Não te quero (e não queres) como és

Ah! bruta flor do querer
Ah! bruta flor, bruta flor

Onde queres comício, flipper-vídeo
E onde queres romance, rock'n roll
Onde queres a lua, eu sou o sol
E onde a pura natura, o inseticídio
Onde queres mistério, eu sou a luz
E onde queres um canto, o mundo inteiro
Onde queres quaresma, fevereiro
E onde queres coqueiro, eu sou obus

O quereres e o estares sempre a fim
Do que em mim é de mim tão desigual
Faz-me querer-te bem, querer-te mal
Bem a ti, mal ao quereres assim
Infinitivamente pessoal
E eu querendo querer-te sem ter fim
E, querendo-te, aprender o total
Do querer que há e do que não há em mim

3 comentários:

Rogerio Furtado Magalhães disse...

EScute a versão deste disco que está no ao vivo Totalmente Demais de 1986. é arrepiante. Assim como uma versão qeu escutei certa vez com Maria Betania.

Rogerio Furtado Magalhães disse...

CAETANO VELOSO FALA DE CAJUÍNA


Numa excursão pelo Brasil com o show Muito, creio, no final dos anos 70, recebi, no hotel em Teresina, a visita de Dr. Eli, o pai de Torquato. Eu já o conhecia pois ele tinha vindo ao Rio umas duas vezes. Mas era a
primeira vez que eu o via depois do suicídio de Torquato. Torquato estava, de certa forma , afastado das pessoas todas. Mas eu não o via desde minha
chegada de Londres: Dedé e eu morávamos na Bahia e ele, no Rio (com temporadas em Teresina, onde descansava das internações a que se submeteu por instabilidade mental agravada, ao que se diz, pelo álcool). Eu não o vira em Londres: ele estivera na Europa mas voltara ao Brasil justo antes de minha chegada a Londres. Assim, estávamos de fato bastante afastados, embora sem ressentimentos ou hostilidades. Eu queria muito bem a ele. Discordava da atitude
agressiva que ele adotou contra o Cinema Novo na coluna que escrevia, mas nunca cheguei sequer a dizer-lhe isso. No dia em que ele se matou, eu estava
recebendo Chico Buarque em Salvador para fazermos aquele show que virou disco famoso. Torquato tinha se aproximado muito de Chico, logo antes do tropicalismo: entre 1966 e 1967. A ponto de estar mais freqüentemente com Chico do que comigo. Chico eu eu recebemos a notícia quando íamos sair para o Teatro Castro Alves. Ficamos abalados e falamos sobre isso. E sobre Torquato ter estado longe e mal. Mas eu não chorei. Senti uma dureza de ânimo dentro de mim. Me senti um tanto amargo e triste mas pouco sentimental. Qaundo, anos depois, encontrei Dr. Eli, que sempre foi uma pessoa adorável, parecidíssimo com Torquato, e a quem Torquato amava com grande ternura, essa dureza
amarga se desfez. E eu chorei durantes horas, sem parar. Dr. Eli me consolava, carinhosamente. Levou-me à sua casa. D. Salomé, a mãe de Torquato, estava
hospitalizada. Então ficamos só ele e eu na casa. Ele não dizia quase nada. Tirou uma rosa-menina do jardim e me deu. Me mostrou as muitas fotografias de Torquato distribuídas pelas paredes da casa. Serviu cajuína para nós dois. E bebemos lentamente. Durante todo o tempo eu chorava. Diferentemente do dia da morte de Torquato, eu não estava triste nem amargo. Era um sentimento terno e bom, amoroso, dirigido a Dr. Eli e a Torquato, à vida. Mas era intenso demais e eu chorei. No dia seguinte, já na próxima cidade da excursão, escrevi Cajuína.


A letra


Cajuína

Caetano Veloso

Existirmos a que será que se destina
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina

Rose Dayanne disse...

tenho um clipe q tem o lindo Chico Buarque e o caricato Caetano cantando essa música...